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Imposto mínimo de 14% para quem ganha mais de R$ 50 mil por mês pode arrecadar mais de R$ 145 bilhões por ano

Um Imposto Global Mínimo de 14% para a parcela mais rica da população brasileira, que ganha acima de R$ 50 mil por mês, teria um potencial de gerar até R$ 145,6 bilhões anuais aos cofres públicos, correspondendo a um aumento de cerca de 40% na arrecadação do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF).

A proposta, defendida em Carta de Conjuntura que acaba de ser publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), faria com que os 2% dos contribuintes com renda mais alta fossem tributados com o mesmo percentual de grupos que ganham menos, mas pagam proporcionalmente mais, tornando a cobrança mais justa.

No estudo publicado pelo Ipea, a alíquota de 14% para a Tributação Efetiva Global da Renda (TEGR) considera tanto o IRPF quanto as contribuições previdenciárias (CP). Isso porque a CP tem peso elevado na renda do trabalho formal, mas está sujeita a um teto, o que a torna bastante regressiva.

Para chegar à alíquota proposta, o técnico de planejamento e pesquisa do Ipea Pedro Humberto Carvalho, que assina o estudo, considerou que o valor máximo da tributação efetiva em 2022 foi de 14,1%, percentual atingido pelo grupo com renda média mensal de aproximadamente R$ 16 mil. Essa mesma alíquota poderia ser aplicada aos 2% mais ricos da população, que é o estrato no qual a carga tributária começa a se tornar regressiva – ou seja, não aumenta conforme cresce a renda do contribuinte. Ela deve incidir sobre a renda total, o que inclui dividendos, auxílios, reembolsos, restituições, bônus, prêmios de seguro, entre outras fontes atualmente isentas.

A medida aumentaria a atual arrecadação do IRPF de 3,1% para 4,3% do PIB, chegando a um nível similar ao de países como a Polônia, Eslováquia e Uruguai, mas ainda abaixo da média de 8,5% dos países de economias avançadas da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

A proposta é um pouco mais intensa do que a contida no Projeto de Lei nº 1.087/2025, elaborado pelo governo, que amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda e, ao mesmo tempo, amplia tributação de pessoas com rendimentos mais elevados.

O autor defende ainda a tributação na fonte de 15% de todos os dividendos distribuídos. Isso reduziria disparidades entre, por exemplo, dois contribuintes com renda similar, uma baseada no trabalho e outra em dividendos, mas que ainda possam ter renda mensal abaixo de R$ 50 mil.

Outra vantagem da proposta é que os contribuintes mais ricos não seriam incentivados a transferir capital para ativos isentos, uma vez que a base de cálculo seria a renda total, sem exceções significativas. “É importante deixar claro que nem toda renda atualmente isenta seria tributada pela proposta. O imposto mínimo só seria aplicado para aqueles contribuintes com renda superior a R$ 50 mil mensais e que tivessem tributação efetiva inferior a 14%”, esclarece o pesquisador.

Além disso, a proposta aprimora algumas limitações do PL 1.087/2025. Uma delas é que, mesmo com a cobrança da alíquota mínima de 10% aos super-ricos (renda anual superior a R$ 1,2 milhão), pessoas com renda entre R$ 9 mil e R$ 49 mil ainda pagariam um percentual maior, se considerada a tributação conjunta do IRPF e da CP.

Outra diferença é que no PL a antecipação do IRPFM com a tributação na fonte em 10% do valor total dos dividendos está prevista para quando estes ultrapassarem R$ 50 mil em um mês por cada pessoa jurídica (PJ). Isso poderia gerar um incentivo negativo, pois quem receber em um mês, por exemplo, R$ 49.999,00 em dividendos de uma mesma PJ não terá recolhimento algum antecipado na fonte, mas quem receber R$ 50 mil terá um recolhimento de R$ 5 mil, induzindo os agentes a permanecerem um pouco abaixo da faixa isenta. A estratégia pode ser usar o caixa da empresa para despesas pessoais, reduzindo a distribuição do lucro, ou até mesmo criar mais uma empresa para escapar dessa tributação na fonte.

Nesse caso, o recomendável, de acordo com o estudo, seria considerar todas as PJs em favor do contribuinte dentro do mês e tributar gradualmente os dividendos que ultrapassem R$ 50 mil ou tributar todo o recebimento de dividendos na fonte com alíquota de 10%.

Riscos e mitigação

Alguns riscos são frequentemente apontados quando se fala sobre aumento da tributação dos mais ricos. Um deles é a possível mudança de domicílio fiscal e o aumento da evasão. Para enfrentá-lo, o estudo sugere o acesso efetivo, pela Receita Federal, aos acordos multilaterais de troca de informações fiscais e a aplicação, junto do imposto mínimo, de um imposto de saída, como é feito em 14 países da OCDE.

“Uma alternativa seria manter as obrigações tributárias por pelo menos cinco anos após a mudança de domicílio fiscal para países que ofereçam política de atração de residência de milionários”, sugere o pesquisador. O estudo cita como exemplos Suíça, Itália, Grécia, Argentina e Uruguai, onde o milionário estrangeiro que é residente fiscal está isento da tributação dos ativos no exterior.

Outro ponto de preocupação é a possível supertributação do lucro empresarial. No entanto, apesar de o Brasil ter umas das alíquotas nominais de Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) mais altas do mundo, a alíquota efetiva fica ao redor de 20%, semelhante à média dos países da OCDE e da América Latina, que, com exceção de Estônia e Letônia, também tributam dividendos.

Há, ainda, o risco de a parcela mais rica da população transferir investimentos para veículos que geram rendimentos isentos, que não são alcançados pelo projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional. É o caso, por exemplo, dos Fundos de Investimento Imobiliário (FII) e dos Fundos de Investimento em Cadeias Produtivas Agroindustriais (Fiagro). Além disso, os fundos de pensão privados têm tributação reduzida no longo prazo e suas contribuições ainda são dedutíveis do imposto de renda. Dados das declarações de IR de 2022 revelam que 56,7% do total de deduções para fundos de pensão provém dos 5% de contribuintes mais ricos.

Para mitigar esse risco, a nota propõe que, nos fundos de pensão, o prazo mínimo para a aplicação da alíquota regressiva de 10% seja aumentado de 10 para 15 anos de investimento e que a dedução do IRPF de 12% da renda tributável, hoje vigente, seja limitada a um nível de renda de até R$ 600 mil anual.

Outro ponto de debate é estabelecer um limite para deduções de despesas médicas, que representaram um gasto tributário de R$ 26,7 bilhões em 2024. Como não há limite de valor, elas beneficiam quem tem renda mais alta: segundo a base de declarações do IRPF de 2022, os 5% de contribuintes mais ricos (renda mensal superior a R$ 28.296) concentraram 22,4% das deduções para despesas médicas.

A solução apontada seria combinar um crédito tributário fixo e igualitário (ou baseado na idade) para todos os contribuintes e seus dependentes com deduções limitadas das despesas médicas, mas que também incluíssem medicamentos. “Isso beneficiaria enormemente os usuários do SUS que, apesar de contarem com serviços médicos gratuitos, precisam, às vezes, comprar medicamentos que não são fornecidos gratuitamente”, explica Pedro Humberto Carvalho.

Por fim, há ainda a questão dos imóveis. Os mais ricos têm facilidade de formar holdings imobiliárias que apresentam tributação muito menor pelo Sistema Simples ou Lucro Presumido do que o aluguel recebido como pessoa física, sujeito à tabela progressiva do IRPF.

Uma proposta para atenuar o problema e estimular o mercado de aluguéis do pequeno investidor seria harmonizar a tributação a 15%, permitir a dedução do aluguel recebido de um imóvel com o aluguel pago em outro e deduzir os juros pagos em hipotecas na renda do aluguel de um mesmo imóvel.

Fonte: ipea.gov